Jurisprudência

Compra e venda - rescisão contratual já em fase de execução de sentença - restituição dos valores pagos pelo comprador e compensação de valores de impostos pagos por este (TJSP)

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

ACÓRDÃO

Compensação. Possibilidade excepcional diante do acaso concreto. Ação de rescisão contratual já em fase de execução de sentença, na qual a vendedora agravante está obrigada a restituir parte das parcelas pagas aos compradores agravados. Agravados, contudo, que não efetuaram o pagamento de IPTU e despesas condominiais no período de ocupação e que já são objetos de execução e cobrança. Obrigações de natureza propter rem que, de fato, implicarão responsabilidade da vendedora no momento em que readquirir o domínio do imóvel. Considerações sobre o tema. Compensação que se mostra lógica e razoável. Deferimento mediante depósito judicial do valor a ser restituído para que a compensação se faça de acordo com a prova de pagamento das dívidas pela vendedora, sem prejuízo das contrições já efetuadas por terceiros. Valor remanescente que, ao final, será restituído aos agravados. Recurso provido para tanto.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 622.591-4/6, da Comarca de Suzano, em que é agravante J. Bianchi Construtora Ltda., sendo agravados Antonio Carlos Pizzolato (e outra).

Acordam, em Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, dar provimento ao recurso.

Insurge-se a agravante contra a r. decisão que, nos autos da ação de rescisão contratual c.c. reintegração de posse já em fase de execução de sentença, indeferiu a compensação porque não preenchidos seus requisitos legais, sustentando, em suma, que os agravados possuem enorme dívida originada do não pagamento de IPTU e parcelas condominiais e que futuramente será de sua responsabilidade, tendo em vista se tratar de obrigação propter rem. Pretende, assim, a compensação dessa dívida com o montante que será restituído aos agravados, em virtude da rescisão contratual.

Os agravados deixaram de responder ao recurso (fl. 366).

Este é o relatório. O recurso, com a devida vênia, merece provimento.

Não se olvida que a compensação é modo indireto de extinção de obrigação entre pessoas que são, ao mesmo tempo, credora e devedora uma da outra. Exige-se, pois, a reciprocidade de créditos e débitos entre as partes, nos termos do disposto no art. 368 do Código Civil.

O caso, contudo, é peculiar.

A vendedora agravante está obrigada a restituir aos compradores agravados importâncias relativas a parcelas pagas em decorrência da rescisão de contrato de venda e compra de imóvel. Ocorre, no entanto, que os agravados não cumpriram, durante o tempo em que permaneceram no imóvel, com o pagamento de IPTU e despesas condominiais, os quais já são objetos de execução e de cobrança (fls. 351/352).

Nesse contexto, é evidente que, a partir do momento em que o imóvel for devolvido, por se tratar de obrigações propter rem, a vendedora agravante responderá por essas dívidas, o que justifica, excepcionalmente, a sua compensação com o montante que deverá restituir.

As obrigações propter rem, segundo ORLANDO GOMES, "nascem de um direito real do devedor sobre determinada coisa, a que aderem, acompanhando-o em suas mutações subjetivas. São denominadas obrigações in rem, ob ou propter rem, em terminologia mais precisa, mas também conhecidas como obrigações reais ou mistas", paraquem "esse cordão umbilical jamais se rompe. Se o direito de que se origina é transmitido, a obrigação o segue, seja qual for o título translativo." (Obrigações. 12ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 21). E na mesma linha é a lição de ARNOLDO WALD quando assenta que "as obrigações reais, ou propter rem, passam a pesar sobre quem se torne titular da coisa. Logo, sabendo-se quem é o titular, sabese quem é o devedor" (Obrigações e Contratos. 12ª edição, Ed. Revista dos Tribunais, p. 60).

Em outras palavras, essas obrigações existem em razão da situação jurídica do titular do domínio e tem como característica primeira a automática transmissão decorrente de um direito real, seja qual for a forma de transferência da propriedade.

No caso, assumindo a vendedora novamente a titularidade do imóvel, é fato que assumirá a responsabilidade pelo pagamento dos valores devidos a título de IPTU e condomínio inadimplidos pelos compradores. Não parece lógico, portanto, que a agravante tenha que restituir aos agravados as parcelas pagas e, ainda, arcar com o pagamento de dívidas que, na realidade, são de responsabilidade deles. Nem é razoável que, após o pagamento dessas dívidas, tenha a agravante que se voltar, mediante regresso, contra os agravados para resgatar os valores que antes a eles entregou.

Nesse particular, é de imperiosa aplicabilidade a observação de CARLOS ROBERTO GONÇALVES no sentido de que "A compensação visa a eliminar a circulação inútil da moeda, evitando duplo pagamento. Representa, segundo MANOEL IGNÁCIO CARVALHO DE MENDONÇA, "aplicação ao direito do princípio da economia política que exige que as trocas sejam feitas com a menor circulação possível da moeda". Prescindindo de dois atos de cumprimento perfeitamente dispensáveis, constitui efetivamente o processo mais rápido de regularizar a situação entre credores recíprocos". E segue dizendo que "Trata-se de instituto de grande utilidade e que oferece outras vantagens. Uma delas, como lembra WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, é que, pela compensação, "evita-se o risco oriundo de eventual insolvência do credor pago. Além disso, (...), obtém-se sensível economia de tempo e dinheiro, com as despesas necessárias ao pagamento das dívidas antagônicas"." (Direito Civil Brasileiro. 2º vol., São Paulo, Saraiva, 2004, p. 325/326).

E, desse modo, não se vê óbice à pretendida compensação. Aliás, não há razoabilidade em se obrigar a agravante a depositar o valor das parcelas a serem devolvidas para depois compensar as dívidas certas e exigíveis decorrentes de obrigações propter rem que se verá obrigada a pagar pela retomada do imóvel em virtude de rescisão ocasionada pela mora dos agravados. E, o que seria ainda pior, se o dinheiro fosse levantado, provavelmente ainda ficaria sem ter como se ressarcir daquelas dívidas surgidas da inadimplência dos agravados.

Enfim, dá-se provimento ao recurso para deferir a compensação e determinar que se faça do seguinte modo: no prazo de trinta dias a partir da publicação deste acórdão a agravante deverá depositar o valor da condenação, menos os valores que comprovadamente houver pago de despesas condominiais e IPTU ligados ao imóvel objeto da rescisão, respeitados e preservados os valores das constrições já efetivadas em favor de terceiros, das quais, nestes autos, foram noticiadas duas (fls. 314/315 e 336/337).

Para tanto o provimento do recurso.

Pelo exposto, e para o fim mencionado, é que se dá provimento ao recurso.

Presidiu o julgamento o Desembargador Ênio Zuliani e dele participaram os Desembargadores Teixeira Leite (2º Juiz) e Fábio Quadros (3º Juiz).

São Paulo, 02 de abril de 2009.
Maia da Cunha, Relator



Envie para um amigo
Imprima este texto
 
 
 
 

webTexto é um sistema online da Calepino

Matéria impressa a partir do site da Ademi Rio [http://www.ademi.org.br]