Refúgio: Os bairros que, desde o século XIX, estão entre os mais frescos do Rio

em Diário do Rio, 26/dezembro

Quando o Rio iniciou sua expansão para além do Centro, as famílias mais abastadas buscaram regiões menos densas, mais próximas da natureza e naturalmente mais amenas. O DIÁRIO DO RIO reuniu os principais bairros que, desde o século XIX, são considerados os mais frescos da cidade.

O Rio tem uma relação antiga com o calor e com as rotas de fuga dele. Nos últimos dias, a cidade voltou a conviver com marcas que desafiam a rotina dos cariocas todos os anos. Em algumas áreas do município, os termômetros encostaram nos 40 °C, sobretudo nos subúrbios das zonas Norte e Oeste. Engana-se, porém, quem pensa que a condição é recente. Não dá para dizer que o aquecimento global não tenha sua parcela nessa conta — tem, e ajuda a empurrar os números para cima. Mas o calor, por aqui, nunca precisou de explicação climática para incomodar. Desde o início da urbanização da antiga “paris dos trópicos”, a temperatura nada europeia sempre foi um teste de resistência para quem vivia na então capital da colônia portuguesa e, mais tarde, capital federal do Brasil.

Desde o século XIX e, sobretudo, nas primeiras décadas do século XX, quando o Rio começou a se expandir para fora do Centro, as famílias mais abastadas procuravam áreas menos densas, mais próximas da natureza e com clima mais ameno. O deslocamento tinha suas justificativas. Em uma cidade que enfrentava surtos de doenças e problemas de infraestrutura urbana, bairros cercados por verde, ventilação e menor ocupação eram vistos como sinônimo de salubridade, higiene e qualidade de vida.

Para escapar do verão mais rigoroso, parte dessa elite subia a serra rumo a Petrópolis, então destino de temporada da Família Imperial e refúgio de verão das classes altas fluminenses. Era comum que famílias inteiras deixassem a capital nos meses mais quentes, em busca de casas adaptadas ao descanso, não às altas temperaturas. Dentro do município, a descentralização urbana preservou essa procura por áreas menos sufocantes. Regiões no entorno do Maciço da Tijuca, do antigo Vale do Rio Carioca e trechos com maior cobertura vegetal se firmaram, ao longo do tempo, como bolsões de respiro climático. Era uma época em que morar de frente para o mar não era bem visto na sociedade.

O calor e a fama dos mais quentes

Se a procura pelos bairros mais frescos tem história, a disputa pelos mais quentes ainda é uma incógnita. Por anos, Bangu, na Zona Oeste, carregou a fama de bairro mais quente do Rio. O motivo é geográfico: á área está em uma área de vale, cercado pelos maciços da Pedra Branca e do Mendanha, condição que favorece a formação de ilhas de calor e amplia a diferença entre as temperaturas mínimas e máximas, gerando grande amplitude térmica.

Mas desde 2004, com o fechamento da antiga Fábrica Bangu, o medidor do Inmet instalado no imenso terreno do prédio, no coração comercial do bairro, foi desativado, encerrando as medições oficiais da estação. Sem aferição ativa, a fama ficou, mas a régua oficial saiu de cena.

Nos últimos anos, quem tem ocupado esse lugar na conversa pública é Irajá, na Zona Norte, e Guaratiba, no extremo da Zona Oeste. No caso de Irajá, a pressão térmica se intensifica pela tipologia urbana, baixa presença de áreas verdes, vizinhança com a Avenida Brasil e densidade construtiva. Guaratiba, por sua vez, sofre com expansão urbana acelerada e escassez de cobertura vegetal em parte do território, fatores que reforçam a percepção de calor extremo na região.

Bairros mais frescos

O DIÁRIO DO RIO reuniu os principais bairros que, desde o século XIX, são considerados os mais frescos da cidade.

Alto da Boa Vista

O primeiro do ranking é do Alto da Boa Vista, bairro cravado na Floresta da Tijuca, uma das maiores florestas urbanas do planeta. A altitude média, em torno de 300 metros acima do nível do mar, combinada ao cinturão verde da Mata Atlântica, molda um microclima raro na cidade. Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) mostram que, desde 1966, o bairro teve como menor marca oficial 6,7°C, registrada no inverno de 1994. A máxima chegou a 38,5°C em apenas três momentos da série histórica.

Jardim Botânico

Delícia para passear, melhor ainda para morar. No sopé da Floresta da Tijuca, o Jardim Botânico se destaca entre os bairros mais frescos da Zona Sul, muito por conta da ocupação urbana que, desde os primeiros ciclos de desenvolvimento, preservou a mata local, favorecida pela alta umidade da região. É também um dos raros endereços dessa faixa valorizada, onde o metro quadrado está entre os mais caros do país, que escapou da verticalização. O bairro resistiu à pressão da especulação e ainda guarda, em alguns trechos, áreas estritamente residenciais, com casas baixas e predinhos simpáticos das décadas de 40 e 50.

Grajaú

Conhecido como “Urca da Zona Norte”, o Grajaú é um caso à parte. Urbanizado no início do século XX, o bairro foi desenhado para dar protagonismo à arborização, traço que resiste até hoje. Os moradores defendem com unhas e dentes o título de bairro mais fresco da região. O chamado “miolo do Grajaú”, trecho planejado e hoje o mais valorizado, concentra ampla cobertura vegetal e árvores imponentes, algumas quase centenárias.

Santa Teresa

Localizada no alto de uma pequena serra entre as zonas Sul e Central, Santa Teresa combina vista privilegiada e brisa. O bairro recebe ventos que sobem da Baía de Guanabara, ajudando a aliviar o calor nas ladeiras. Entre construções históricas e curvas íngremes, a presença de áreas verdes, incluindo trechos da Floresta da Tijuca, reforça o frescor natural.

Humaitá

O bairro do Humaitá se destaca pelo planejamento geográfico que priorizou o plantio de árvores, moldando um ambiente mais fresco e agradável. A presença da reserva ambiental do Parque do Martelo, aos pés da Floresta da Tijuca, e os ventos que sobem da Baía de Guanabara ajudam a transformar o bairro em um corredor natural de ventilação, que segue até a Lagoa Rodrigo de Freitas.

Cosme Velho e Laranjeiras

O Cosme Velho foi um dos primeiros bairros a integrar a rota da elite carioca em busca de alívio térmico e qualidade de vida, no fim do século XIX e início do XX, quando o Centro simbolizava adensamento e vulnerabilidade sanitária. Localizado no antigo Vale do Rio Carioca, a região ganhou, na época, fama lendária de suas águas, associadas a supostas propriedades curativas que atraíam até a família real. A ocupação nobre se traduziu em casarões espalhados pelo vale, avançando até Laranjeiras.


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