‘Essa geração não valoriza a posse como algo primordial’, diz Alexandre Frankel, CEO da Housi
em Estadão, 27/junho
Na visão do executivo, a busca por flexibilidade está fazendo o imóvel deixar de ser apenas propriedade para se tornar um serviço.
Do trabalho remoto à consolidação da geração Z como força econômica, o mercado imobiliário se movimenta para atender às novas demandas de moradia. Fruto deste ambiente, a locação de curta temporada (short stay) ganha adeptos e conquista investidores ao redor do mundo. No Brasil, o empresário Alexandre Lafer Frankel, à frente da startup Housi, se posiciona como um dos expoentes do segmento ao negociar “apartamentos por assinatura”.
“O cenário pós-pandemia e o trabalho híbrido impulsionaram uma mudança de comportamento. Os juros nas alturas diminuíram o poder aquisitivo da população. Então muita gente não quer ou não pode comprar um imóvel”, situa Frankel. Com 990 incorporadoras e construtoras parceiras em 200 cidades, a Housi se propõe a desenvolver “residências inteligentes” com tecnologias integradas e serviços de hotelaria aos hóspedes.
A companhia, fundada em 2019, projeta um faturamento de R$ 690 milhões neste ano, mais do que o dobro do faturamento em 2024. A expectativa se justifica pela incorporação do primeiro projeto de luxo, um prédio de studios nos Jardins. Desenvolvido em parceria com a Vitacon, empresa criada por Alexandre e atualmente comandada pelo seu irmão, Ariel Frankel, o projeto tem investimento previsto de R$ 200 milhões.
Apoiado na premissa de que o short stay e seus derivados não são tendências passageiras, Frankel entende que flexibilidade deve se tornar um dogma do setor imobiliário e continuar gerando oportunidades para o setor. “A nova geração não valoriza a posse como algo primordial”, comenta. As melhores soluções de moradia neste cenário, diz ele, serão sustentadas por análise de dados, segmentação de projetos e transformação digital.
Alexandre Lafer Frankel é um dos painelistas confirmados no Summit Imobiliário, evento que o Estadão, em parceria com o Secovi-SP, realizará no dia 30 de junho. A seguir, confira os principais trechos da entrevista:
O seu painel no Summit Imobiliário aborda a locação de curta temporada apoiado na tese de que este mercado não é passageiro. O que justifica esta perspectiva?
Vários fatores contribuem para este ambiente. Entre eles, a mudança de comportamento no pós-pandemia, o trabalho híbrido e uma nova geração que é muito mais desapegada. Além disso, tem a questão econômica, com os juros nas alturas e o baixo poder aquisitivo. Neste cenário, muita gente não quer ou não pode comprar um imóvel e recorre a novos formatos de moradia.
Esse mercado vai além do short stay em si. É sobre a tendência de moradia flexível, que pode ser de um dia, três meses ou quatro anos. Esta perspectiva de flexibilidade revolucionou o setor e hoje tem diversas praças favoráveis no Brasil. São Paulo, por exemplo, promove muitos eventos e tem uma demanda corporativa descomunal. Já em Salvador, é comum moradores alugarem as próprias casas durante o carnaval e faturar pelo ano inteiro. Não à toa, a locação se constituiu como a atividade principal do imóvel em muitos casos ou como renda extra em outros.
Enquanto o short stay cresce, acompanhamos debates jurídicos e legislativos questionando o modelo. E não só aqui no Brasil. Como você enxerga que os governos estão lidando com este ambiente e como as empresas enfrentam estes obstáculos?
O mercado e a tecnologia estão sendo mais rápidos do que os legisladores. E isto é normal. Em vários outros segmentos, presenciamos situações parecidas. No Brasil, temos o privilégio da legislação da locação por temporada já regulamentar bem o short stay.
Em prédios mais novos, já é comum este modelo estar regulamentado e com normas definidas. Nos prédios mais antigos, onde isso ainda não está regrado, veremos mais discussões a respeito, mas aí a assembleia é soberana e o morador deve respeitar a decisão democrática.
Você falou sobre o perfil geracional com novas perspectivas imobiliárias. Como você enxerga que o short stay se encaixa nestas expectativas?
Essa geração, em primeiro lugar, tem um desapego. Ela não valoriza a posse como algo primordial. Em segundo, o poder aquisitivo não acompanha o aumento de preços e a taxa de juros impede o financiamento. Essa geração se vê obrigada e, ao mesmo tempo, opta por formatos alternativos de moradia.
A compactação dos imóveis é uma resposta a este movimento, por exemplo. São unidades que democratizam e tornam o bem mais acessível para comprar ou alugar, o condomínio e o IPTU são mais baratos. O short stay e seus derivados são outras respostas. Os mais jovens não querem gastar para mobiliar um apartamento e não querem gastar com burocracias, como transferir a conta de água, luz e gás. É muito trabalho.
Eles pensam ‘eu não sei como vai ser a minha vida amanhã, se eu vou estudar fora, se eu vou trabalhar em outra cidade, se eu vou casar, se vou ter outro tipo de comportamento’. A locação flexível permite uma adaptação à vida moderna, principalmente dos mais jovens.
A Housi está planejando a entrega do primeiro empreendimento de luxo da companhia. A empresa planeja migrar de segmento?
De forma alguma existe uma migração. A Housi está amadurecendo e ganhando escala. Com isso, percebemos que é necessário segmentar os produtos de acordo com públicos específicos porque cada grupo tem suas próprias necessidades.
O H Bela Cintra faz parte do bandeira H, que é a nossa bandeira de luxo e segue alguns padrões diferentes. No entanto, também temos um produto voltado para o público de terceira idade — que hoje é um dos mercados mais promissores —, e temos produtos voltados para estudantes. Já estamos com outras segmentações em desenvolvimento e nossa estratégia é trazer mais edifícios personalizados à necessidade de cada cliente.
Falando em personalização, quais outros movimentos devem se consolidar no Brasil nos próximos anos?
A tendência do mercado é a transformação do analógico para o digital. Em outras palavras, os imóveis deixam de ser apenas um teto para ser hardwares multifuncionais. O prédio será o lugar onde você lava roupa, faz mercado, trabalha e aluga o seu transporte. Ele ajuda a tornar a vida do usuário mais eficiente e econômica, mas principalmente, gerar tempo.
Existe um estigma de que o mercado imobiliário é conservador com inovações. Ao mesmo tempo, a Housi é parceira de cerca de 650 incorporadoras. Como vocês desenvolveram essa relação com tantos negócios neste ambiente?
Durante a pandemia, o setor foi altamente impactado. Neste momento, várias empresas começaram a nos procurar para levar tecnologia aos prédios. Eles já entendiam que o mercado passaria por grandes mudanças. Desta forma, nosso crescimento foi quase induzido pela pandemia. Antes, estávamos somente em São Paulo e começando um pequeno teste no Rio de Janeiro. Hoje já estamos em mais de 200 cidades do Brasil.
E qual é o próximo passo?
A Housi já é lucrativa há três anos. A empresa nasceu na covid e não viveu aquela pujança do dinheiro fácil, como muitas startups viveram antes. Crescemos em um cenário mais árido e isso criou uma casca, aprendemos a ser lucrativos desde então. Na história, fizemos duas rodadas de captação que permitiram que a gente realizasse essa expansão.
Hoje, a empresa gera caixa, mas para alguns movimentos que temos em mente, provavelmente precisaremos de mais recursos. Temos no radar, inclusive, uma internacionalização e provavelmente devemos levantar uma nova rodada para isso.
Uma eventual abertura de capital também faz parte dos planos?
Toda empresa e empreendedor de sucesso entende que o IPO deve estar sempre no radar. Porém, ele não é a nossa prioridade hoje. A janela deve continuar fechada por um bom tempo e nós optamos por um caminho de investimentos privados.
Você citou o interesse da empresa na internacionalização. O que motiva este movimento?
Com a tecnologia que desenvolvemos, podemos impactar a vida em sociedade. E esse modelo pode ser aplicado em qualquer lugar do mundo. É um modelo escalável e inédito. A pergunta é “por que não?”. Ao ir para mercados grandes, temos a diversificação de moeda e atendemos a uma demanda global. Isso já está no nosso roadmap (plano estratégico) há algum tempo e em breve vamos começar a concretizar os primeiros passos.
Além da gestão de imóveis para locação, a Housi tem uma área de funding para empresas do mercado imobiliário. De onde surgiu esta solução?
Percebemos que existia uma demanda grande por crédito e que hoje está altamente concentrado nas mãos de poucos bancos, que não conseguem irrigar todo o mercado. O dinheiro não chega nem para o incorporador nem para o cliente final. A nossa ideia é oferecer isso de maneira mais simples, menos burocratizada e, assim, participamos dos projetos desde o início, durante a concepção.
O cenário brasileiro é atrativo e positivo para o modelo de short stay?
Ao mesmo tempo que o Brasil tem um cenário de juros altíssimos e proibitivos para qualquer atividade econômica, temos um País com uma demanda existente e futura gigantesca. Poucos países no mundo têm este privilégio. Pelo contrário, muitos estão com a população encolhendo e outros estão economicamente travados. A população que está entrando no mercado agora é composta por jovens; outra população relevante é a da melhor idade, com uma perspectiva de vida maior.
Ver online: Estadão