Novas regras facilitam acesso da classe média à casa própria, mas juros atrapalham

em O Globo / Economia, 19/outubro

Com financiamento caro, famílias de renda média têm adiado decisão de compra de imóveis.

Alcançar o sonho da casa própria tem sido um desafio para a classe média nos últimos anos, diante da escassez de recursos para o crédito habitacional e os juros altos nas modalidades de financiamento hoje disponíveis no mercado. Para tentar atender este público e impulsionar o mercado imobiliário, o governo lançou no último dia 10 um novo modelo, que promete liberar até R$ 37 bilhões para o setor de forma imediata.

Executivos da construção civil e especialistas veem com bons olhos as medidas, mas alertam que, para esse crédito deslanchar, há ainda um gargalo: a elevada taxa de juros da economia brasileira.

Com o atual patamar da Selic (hoje em 15% ao ano, o maior nível em quase 20 anos), mesmo com as condições mais facilitadas do novo modelo do governo, tomar um crédito imobiliário pode não ser tão vantajoso.

As novas regras do governo preveem que o valor do imóvel a ser financiado pelo SFH, que tem condições mais facilitadas, vai subir de R$ 1,5 milhão para R$ 2,25 milhão por ano — ou seja, um padrão mais compatível com a classe média. No SFH, os juros são limitados a 12% ao ano, com atualização monetária pela Taxa Referencial (TR). E a TR é diretamente influenciada pela variação da Selic.

— Quando sobe a taxa de juros, sobem a taxa de financiamento, o valor da parcela e a renda necessária para contratar o crédito imobiliário. Isso exclui a pessoa do mercado — explica Cyro Neufal, diretor de Relações com Investidores da Lopes, uma das maiores imobiliárias do país. — E resulta em adiamento da tomada de decisão pela classe média, porque o dinheiro investido no banco rende 15% ao ano. Aí, ela espera.

A Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) avalia que haverá crescimento no setor, com mais lançamentos, mas não arrisca fazer uma previsão. E exemplifica os efeitos dos juros na ponta do lápis:

— Cada 1% de queda na taxa de juros inclui mais 160 mil famílias no grupo daquelas com capacidade de pagamento por um imóvel — diz Luiz França, presidente da Abrainc.

Os dados compilados de janeiro a junho pela entidade e a Fipe, mapeando lançamentos no segmento residencial de duas dezenas de incorporadoras associadas à Abrainc, refletem o “achatamento” que o médio padrão tem sofrido diante de condições de crédito insuficientes.

Recursos encolhendo

Das 94.244 unidades residenciais lançadas no primeiro semestre, 87,2% foram Minha Casa, Minha Vida (MCMV) e Casa Verde e Amarela. São vendas por meio do programa subsidiado pelo governo, para famílias com renda familiar de no máximo R$ 12 mil por mês e com limite do valor do imóvel de R$ 500 mil. Nesse segmento, houve alta de 39,5% em lançamentos e de 16,7% nas vendas líquidas, descontados os distratos, ante a janeiro a junho de 2024.

No médio e alto padrão, o desempenho ficou estável em unidades, com queda de 0,2%. E as vendas líquidas caíram 20,5%. França explica que, fora do MCMV, as vendas são sustentadas pelo alto padrão:

— O médio e alto padrão tem muita influência da taxa de juros, com os imóveis de menor valor sofrendo mais (nesta faixa). As vendas estão mais concentradas nos imóveis de valor maior.


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